sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Reforma do Ensino Médio (desculpe o tom ameno)


Educação é um tema complexo, que não dá para ser resumido em palavras de ordem: “por uma educação de qualidade”, “por melhorias na educação”, “educação é a base de tudo” etc. As variáveis que rondam esse campo são praticamente infinitas e acredito que todos nós, cidadãos, reconhecemos que uma reforma da educação é urgente e necessária, mas certamente também concordamos que, pela complexidade da questão, isso não pode ser feito a toque de caixa. Dependemos, portanto, de debate público qualificado, com o envolvimento de especialistas e sociedade em geral, a fim de se elaborar um plano que dê base para mudanças efetivas e eficazes.

Se isso é praticamente um consenso, por que aceitaríamos uma reforma do Ensino Médio, encaminhada por Medida Provisória do Governo Federal, sem a participação do poder legislativo, sem um amplo debate na sociedade, sem a opinião de estudantes e professores? Aceitamos. E estamos aceitando muito mais. Vale pesquisar por PEC 241, PLP 257, PL 4567. A MP do Ensino Médio é só a cereja do bolo do caos ao qual a nossa educação está fadada. Se você achava que não dava para piorar, saiba: existem profissionais qualificadíssimos para fazer tudo ficar ainda pior.

Adoram comparar o país à uma empresa. Que fique claro, então, que estão fazendo um desinvestimento e às pressas. Sinceramente, reflita aí na sua cabecinha: o que adianta, a essa altura do campeonato, impor uma mudança drástica no Ensino Médio e ignorar as outras bilhões de variáveis que cercam a educação no Brasil? Isso não chega nem a ser gambiarra, porque gambiarra consegue quebrar um galho. O que está acontecendo é, além de jogar dinheiro fora, instaurar um caos nas escolas do país, prejudicar a vida de milhões de estudantes e carimbar de uma vez por todas a pecha de país subdesenvolvido.


Uma medida provisória tem poder imediato de lei, afronta a democracia que deveria guiar decisões educacionais, expressa autoritarismo e flerta ideologicamente com os decretos-lei que eram instaurados em nosso período de governo ditatorial. Então, já vigoram todas as mudanças propostas para o Ensino Médio, que deverão ser implementadas obrigatoriamente em dois anos, caso o congresso não barre, o que dificilmente vai acontecer, vide as relações cor-de-rosa entre deputados e o “presidente”. Provavelmente, com uma mudança ou outra em seu texto (discutida por engravatados que mal sabem da situação educacional do país), a medida provisória deve virar lei.
 
Um résumé do novo menu

1.     O Ensino Médio passará a ser em tempo integral. Pulará de 800 horas anuais de carga-horária para 1.400. Isto é, precisará de 7 horas diárias para atingir a nova carga-horária estabelecida.

Como fica o caso de estudantes que precisam trabalhar? Como poderá ser ofertado o Ensino Médio no período noturno? Como resolver o problema da superlotação, que já é gravíssimo, e ficará ainda pior com um turno a menos? A evasão das escolas será ainda maior? Soluções para esses problemas a Medida Provisória não apresenta.

2.     O Ensino Médio será dividido por 5 eixos: linguagens; matemática; ciências da natureza; ciências humanas; e formação técnica e profissional. O ensino de Arte, Educação Física, Filosofia e Sociologia não será mais obrigatório nos anos do Ensino Médio. Somente Matemática, Língua Portuguesa e Língua Inglesa serão disciplinas obrigatórias dentro dos 5 eixos.

Trocando em miúdos isso quer dizer que, no papel, todas as disciplinas podem continuar, mas, na prática, só Matemática, Língua Portuguesa e Língua Inglesa serão obrigatórias e o estudante ainda poderá “escolher” outra(s) área(s) de interesse. Claro que essa “escolha” dependerá de cada escola. Isto é, cada instituição de ensino ficará responsável por alguma área de especificação. A escola próxima à casa do estudante pode não ofertar o que ele quer. Ou seja, caso não haja vaga na área que você quer na escola X, você terá que fazer o que sobrar na escola Y. Não é legal poder “escolher”? A não obrigatoriedade de várias disciplinas resultará em uma formação capenga. E, mesmo se a escola, por um ato de bravura, quiser manter tais disciplinas, isso será impossível (logo mais você saberá o porquê disso no item 5).

Além das disciplinas que já se tornarão facultativas, como a MP não regulamenta o que cada escola deverá oferecer, é possível que uma instituição não oferte componentes comuns hoje em dia, como: História, Geografia, Química, Física, Biologia etc.

3.     A lei nº 11.161, que dispunha sobre a obrigatoriedade de se ofertar o ensino de Língua Espanhola no Ensino Médio, foi revogada. Ou seja, a única língua estrangeira que as escolas deverão ofertar obrigatoriamente é o inglês.

Isso quer dizer que todos os gastos para que se implantasse a Língua Espanhola como possibilidade no Ensino Médio serão jogados fora. Reforçará a ideia de Língua Inglesa como única segunda Língua possível. Isso mesmo, em um país da América Latina.

4.     Os conteúdos cursados durante o ensino médio poderão ser convalidados para aproveitamento de créditos no ensino superior, após normatização do Conselho Nacional de Educação e homologação pelo Ministro de Estado da Educação.

Mal consigo prever o caos que isso pode trazer, porque não faço ideia de como isso funcionaria na prática. Mas basta ter cursado uma disciplina com viés técnico no Ensino Médio, que ela será eliminada no Ensino Superior, não necessitando de um aprofundamento nos cursos de Graduação.

5.     A carga horária destinada ao cumprimento da Base Nacional Comum Curricular não poderá ser superior a mil e duzentas horas da carga horária total do ensino médio, de acordo com a definição dos sistemas de ensino.

Isso quer dizer que as atuais 2.400 horas, que são destinadas ao cumprimento do conteúdo da Base Nacional Comum Curricular, terão que caber em 1.200 horas. Ou seja, a formação geral, cultural e científica dos estudantes é reduzida pela metade e não ampliada, como as manchetes dizem. O tempo restante se volta para a parte técnica, isto é, para o mercado de trabalho. Pontos essenciais do princípio educativo teriam que ser excluídos: a formação ética, estética e científica, por exemplo, seria ainda mais escassa. O tempo integral, então, seria para formar mão de obra e não cidadãos pensantes, com senso crítico, capacidade de reflexão, questionamento, raciocínio etc.

6.     Poderão exercer a docência os trabalhadores em educação, portadores de diploma de curso técnico ou superior em área pedagógica ou afim e profissionais com notório saber reconhecido pelos respectivos sistemas de ensino.

Claro que há uma carência de professores qualificados para diversas áreas e evasão nos cursos de licenciatura, mas ao invés de resolver este problema na raiz, apenas legitima-se uma prática comum – e precária – de hoje em dia: professores sem formação adequadas às disciplinas que lecionam. Qualquer um, não precisa ser especialista, nem nada, saberia como resolver este problema: estimular a formação de professores/estimular a entrada nesta carreira. Para isso, o Governo deveria pensar em dar melhores condições de trabalho aos docentes, em fazer mais investimentos nos cursos de licenciatura e estabelecer salários mais atrativos para os professores, para que a profissão também seja mais atrativa.

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Como podemos ver, a MP é um desinvestimento e deixa de tocar em questões cruciais para uma real reforma: ações para formação de professores e valorização da carreira docente; condições materiais para que as escolas possam oferecer, com qualidade, currículos amplos e diversificados; indicativo de diretrizes para projetos de escola de tempo integral ou indicativo de legislação complementar a este respeito; como respeitar a Base Nacional Comum Curricular que não caberá na carga-horária prevista?; como lidar com o estudante que, ao ingressar em uma Universidade, tenha vontade de cursar uma outra área que ele não tem o conhecimento básico? Refaz o Ensino Médio?

São muitas perguntas, muitas questões e muitos problemas. Peço desculpas pelo tom ameno desta publicação. O texto merece um tom muito mais duro, sobretudo por causa das outras mudanças que afetam totalmente nesta: PEC 241, PLP 257, PL 4567 (sério, pesquisem!). Por enquanto, escrevo mais como informação, mas voltaremos a esses assuntos. Leiam os artigos e tirem suas conclusões.

Diretrizes e bases da educação nacional:

Medida Provisória nº 746 (que “reforma” o Ensino Médio):

PEC 241 (que limita os gastos públicos em saúde e educação por 20 anos):

PLP 257 (pacote de ajuste fiscal que atinge diretamente os servidores públicos):
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1445370&filename=PLP+257/2016

PL 4567 (que retira a obrigatoriedade da participação da Petrobras na exploração do pré-sal, que renderia recursos para saúde e educação, permitindo a total atuação de empresas privadas):

domingo, 2 de outubro de 2016

Não é só domingo

Começo o texto me dirigindo aos jovens que votaram pela primeira vez na última eleição: jovi, não desanima, pode ser que dessa vez o seu voto finalmente valha de verdade. Também acreditando nisso (ok, nem tanto), escrevo este textinho e tiro o blog do coma.

Quem andou em coma também foi o nosso interesse em falar de política. Coma do tipo: desde que nasceu. Mas parece que nos últimos tempos o gigante acordou abriu pelo menos um olho (não vou falar qual para não dar briga). Ainda por cima esse olho é míope.

O que eu sei é que os feice da vida ficaram infestados de gente falando de política, discutindo ideologia, batendo em projeto de lei, fazendo barulho contra medida provisória, compartilhando catraca livre, esgoelando Bolsomito 2018 (nessa hora a gente pega uma gilete bem afiada, passa veneno na lâmina e corta bem cortadinho a pupila do olho). 

Mas voilà: saiu gente de tudo quanto é bueiro para falar de candidato, xingar o amigo, mandar um: me bloqueia aí que eu odeio você seu coxetralha. Até primo de 3º grau clicando no emoji de Grr (aquele com cara de putasso) na sua publicação teve. E isso foi ruim não, mas ainda está torto de mais. Virou vídeo-game em que meu bonequinho é mais forte do que o seu e parece que ficou nisso, com salvas exceções.

Mas ótimo. Se o Cunha caiu (com um certo delay) está valendo (o Cunha caiu mesmo?). Ainda na metáfora do vídeo-game: a gente ainda não sabe jogar porra nenhuma, mas às vezes aperta todos os botões de uma vez só e acaba matando o Ryu bugado do fliperama que solta 15 hadoukens na tela (e isso é um grande feito).

Mas de eleições municipais, parece que a gente não sabe nem como que dá play no joguinho. É uma bagunça com 9327827847948 partidos aleatórios, caboco que era aliado do prefeito passado, agora é amigo do rival, o fulano está ajudando seu parente a ter um trampo e parece melhor votar nele do que naquele que você nem conhece, é candidato a vereador falando que vai asfaltar a sua rua, que vai aumentar o número de médicos nos postos de saúde, que vai dar tablete para as crianças, que vai fazer aplicativo que faz não-sei-o-que (que fetiche é esse por tablete e aplicativos para resolver o mundo?), é o cristão colocando no currículo que é cristão (parece relevante – para perder voto), é o pai de família (e daí?), é o jingle com malandramente: “João Vicente, aliou com o Tenente, é amigo dos crente, pode votar e curtir. João Vicente fez casa pra gente, envolvido com a obra, começou construir...”, é carreata, é menino balançando bandeira no sinal, é chão cheio de santinho e outras pataquadas à lá hoje é dia de maldade.

Vemos um ou outro programa eleitoral ali na hora do almoço, pegamos um pedaço do debate depois da novela, ouvimos falar em dois ou três figurões mais conhecidos para prefeito e os mesmos de sempre para vereador. Não temos o menor apego por partidos (nem eles têm, né?) e o pau quebra: quem aparece mais na campanha, quem tem mais gente trabalhando e conhece mais pessoas que pedem voto para outras pessoas, é eleito.

Mas o fato é que temos que obrigatoriamente apertar o verde e tilimlim (horrível essa onomatopeia). Mas em quem votar de fato? Às vezes nenhum candidato a prefeito agrada, não conhecemos nenhum candidato a vereador, não sabemos as propostas de ninguém, não sabemos se as fichas estão limpas. (E provavelmente vamos votar e continuar sem saber ou sabendo muito pouco).

Então, vale uma googlada no candidato. Mas vale muito também se interessar pela política de sua cidade nos 4 anos de atuação daquela equipe do executivo e do legislativo. É preciso saber o que o prefeito anda fazendo, o que os vereadores andam votando, se eles são de fato a sua voz na câmara, essas coisas clichêzonas que a gente costuma deixar pra lá. Importante saber também quem é o vice (nunca se sabe, né?).



Assim, visando aquele 1% de anjo-perfeito no meio de 99% de vagabundo nestas eleições municipais, segue um guiazinho (bem zinho) sobre as funções do executivo e do legislativo municipais:

Primeiramente, fora Temer.

Segundamente, vamos aos vereadores. Se eles estão prometendo: asfaltar a sua rua, construir hospital, creche, escola, centro esportivo, reformar praças e vias, gerar empregos, diminuir o valor da passagem do ônibus, aumentar o salário do professor, arrumar material escolar, colocar mais policiais nas ruas, remunerar melhor os agentes de segurança ou coisas do tipo, FUJA. Isso não é papel dele.

O vereador pode e deve elaborar leis municipais (que sejam do interesse da população; ele é sua voz na bagaça, ok?) e fiscalizar o prefeito. São os vereadores que propõem, discutem e aprovam as leis que entram em vigor no município. Por exemplo, eles aprovam a Lei Orçamentária Anual, que define onde deverão ser aplicados os recursos vindos dos nossos impostos (é bom ficar de olho nisso). Também cabe ao vereador acompanhar as ações da prefeitura, verificando se estão sendo cumpridas as metas de governo e se o prefeito está agindo dentro das normas legais. Por isso, é importante que uma parcela dos vereadores seja de oposição ao prefeito, para não virar jogo de compadres.

É claro que só saber disso não vale muita coisa. Mas vale saber que as sessões legislativas são abertas a nós, então, podemos, por exemplo, juntar um grupinho e ir lá fazer barulho quando eles forem votar algum projeto absurdo, como o aumento do próprio salário (que já não é baixo). Que tal pressionarmos para a diminuição de seus subsídios até virar lei? (Também é uma forma de atuar). Podemos ainda procurar os vereadores em seus gabinetes e ficar de cima, ajudar a fiscalizar e, se ele fizer alguma bobeira, podemos denunciar ao Ministério Público. Se quisermos, temos muito poder.

Em resumo, o papel central do vereador é ouvir a vontade de seus eleitores e não legislar em causas próprias. Vamos fugir desses e jamais os reeleger novamente, né?

Já o prefeito é o cara que tem a caneta e o cheque na mão. Cabe a ele administrar os serviços públicos locais, decidindo onde serão aplicados os recursos que vêm dos nossos impostos e dos repasses do estado e da União. Eles também decidem quais obras devem ser feitas e quais programas serão implantados. Também é função do prefeito sancionar e revogar leis, vetando propostas que sejam inconstitucionais ou não atendam ao interesse público (isso é um ponto importante, pois é aí que a gente entra fazendo pressão, basta querermos). Além disso, o prefeito também nomeia secretários (de Educação, Saúde, Governo, Transporte, Habitação, Meio-ambiente, Planejamento, Administração etc.) e os secretários também podem distribuir cargos de confiança. Não queremos uma prefeitura infestada de aliadinhos mamando nos cargos comissionados, sem que eles sejam realmente competentes, éticos e bons profissionais para as funções as quais eles foram designados, certo? Então, cabe também ficar de olho e fazer barulho se algo estiver errado.

Já o vice-prefeito tem que ser um homem de CONFIANÇA do prefeito e assumir a bucha quando ele estiver ausente. Ele deve saber que não é sua função querer derrubar o prefeito e colocar em prática outro plano de governo. Se ele se segurar e fizer tudo certinho, dá até para dizer que ele não é um vice decorativo, mas que busca colaborar com a prefeitura.


No mais, é ir votar morrendo de preguiça (naqueles que você julgar serem os melhores candidatos/ficar de olho neles nos próximos 4 anos) e esperar dar 17h para acabar a Lei Seca e ir para o bar beber.

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Ganhador do Oscar, de melhor, ator coadjuvante e não sabe usar vírgulas nem ponto de interrogação?