Educação é um tema complexo, que não dá
para ser resumido em palavras de ordem: “por uma educação de qualidade”, “por
melhorias na educação”, “educação é a base de tudo” etc. As variáveis que
rondam esse campo são praticamente infinitas e acredito que todos nós, cidadãos,
reconhecemos que uma reforma da educação é urgente e necessária, mas certamente
também concordamos que, pela complexidade da questão, isso não pode ser feito a
toque de caixa. Dependemos, portanto, de debate público qualificado, com o
envolvimento de especialistas e sociedade em geral, a fim de se elaborar um
plano que dê base para mudanças efetivas e eficazes.
Se isso é praticamente um consenso, por
que aceitaríamos uma reforma do Ensino Médio, encaminhada por Medida Provisória
do Governo Federal, sem a participação do poder legislativo, sem um amplo
debate na sociedade, sem a opinião de estudantes e professores? Aceitamos. E estamos
aceitando muito mais. Vale pesquisar por PEC 241, PLP 257, PL 4567. A MP do
Ensino Médio é só a cereja do bolo do caos ao qual a nossa educação está
fadada. Se você achava que não dava para piorar, saiba: existem profissionais
qualificadíssimos para fazer tudo ficar ainda pior.
Adoram comparar o país à uma empresa.
Que fique claro, então, que estão fazendo um desinvestimento e às pressas.
Sinceramente, reflita aí na sua cabecinha: o que adianta, a essa altura do
campeonato, impor uma mudança drástica no Ensino Médio e ignorar as outras bilhões
de variáveis que cercam a educação no Brasil? Isso não chega nem a ser gambiarra,
porque gambiarra consegue quebrar um galho. O que está acontecendo é, além de
jogar dinheiro fora, instaurar um caos nas escolas do país, prejudicar a vida
de milhões de estudantes e carimbar de uma vez por todas a pecha de país
subdesenvolvido.
Uma medida provisória tem poder imediato
de lei, afronta a democracia que deveria guiar decisões educacionais, expressa
autoritarismo e flerta ideologicamente com os decretos-lei que eram instaurados
em nosso período de governo ditatorial. Então, já vigoram todas as mudanças
propostas para o Ensino Médio, que deverão ser implementadas obrigatoriamente
em dois anos, caso o congresso não barre, o que dificilmente vai acontecer,
vide as relações cor-de-rosa entre deputados e o “presidente”. Provavelmente,
com uma mudança ou outra em seu texto (discutida por engravatados que mal sabem
da situação educacional do país), a medida provisória deve virar lei.
Um
résumé do novo menu
1. O Ensino Médio passará a ser em tempo integral. Pulará de 800 horas
anuais de carga-horária para 1.400. Isto é, precisará de 7 horas diárias para
atingir a nova carga-horária estabelecida.
Como fica o caso de estudantes que
precisam trabalhar? Como poderá ser ofertado o Ensino Médio no período noturno?
Como resolver o problema da superlotação, que já é gravíssimo, e ficará ainda
pior com um turno a menos? A evasão das escolas será ainda maior? Soluções para
esses problemas a Medida Provisória não apresenta.
2. O Ensino Médio será dividido por 5 eixos: linguagens; matemática; ciências
da natureza; ciências humanas; e formação técnica e profissional. O ensino de
Arte, Educação Física, Filosofia e Sociologia não será mais obrigatório nos
anos do Ensino Médio. Somente Matemática, Língua Portuguesa e Língua Inglesa
serão disciplinas obrigatórias dentro dos 5 eixos.
Trocando em miúdos isso quer dizer que,
no papel, todas as disciplinas podem continuar, mas, na prática, só Matemática,
Língua Portuguesa e Língua Inglesa serão obrigatórias e o estudante ainda
poderá “escolher” outra(s) área(s) de interesse. Claro que essa “escolha”
dependerá de cada escola. Isto é, cada instituição de ensino ficará responsável
por alguma área de especificação. A escola próxima à casa do estudante pode não
ofertar o que ele quer. Ou seja, caso não haja vaga na área que você quer na
escola X, você terá que fazer o que sobrar na escola Y. Não é legal poder “escolher”?
A não obrigatoriedade de várias disciplinas resultará em uma formação capenga. E,
mesmo se a escola, por um ato de bravura, quiser manter tais disciplinas, isso será
impossível (logo mais você saberá o porquê disso no item 5).
Além das disciplinas que já se tornarão
facultativas, como a MP não regulamenta o que cada escola deverá oferecer, é
possível que uma instituição não oferte componentes comuns hoje em dia, como:
História, Geografia, Química, Física, Biologia etc.
3. A lei nº 11.161, que dispunha sobre a obrigatoriedade de se ofertar
o ensino de Língua Espanhola no Ensino Médio, foi revogada. Ou seja, a única
língua estrangeira que as escolas deverão ofertar obrigatoriamente é o inglês.
Isso quer dizer que todos os gastos para
que se implantasse a Língua Espanhola como possibilidade no Ensino Médio serão
jogados fora. Reforçará a ideia de Língua Inglesa como única segunda Língua
possível. Isso mesmo, em um país da América Latina.
4. Os conteúdos cursados durante o ensino médio poderão ser convalidados
para aproveitamento de créditos no ensino superior, após normatização do
Conselho Nacional de Educação e homologação pelo Ministro de Estado da Educação.
Mal consigo prever o caos que isso pode
trazer, porque não faço ideia de como isso funcionaria na prática. Mas basta ter
cursado uma disciplina com viés técnico no Ensino Médio, que ela será eliminada
no Ensino Superior, não necessitando de um aprofundamento nos cursos de
Graduação.
5. A carga horária destinada ao cumprimento da Base Nacional Comum
Curricular não poderá ser superior a mil e duzentas horas da carga horária
total do ensino médio, de acordo com a definição dos sistemas de ensino.
Isso quer dizer que as atuais 2.400
horas, que são destinadas ao cumprimento do conteúdo da Base Nacional Comum
Curricular, terão que caber em 1.200 horas. Ou seja, a formação geral, cultural
e científica dos estudantes é reduzida pela metade e não ampliada, como as
manchetes dizem. O tempo restante se volta para a parte técnica, isto é, para o
mercado de trabalho. Pontos essenciais do princípio educativo teriam que ser
excluídos: a formação ética, estética e científica, por exemplo, seria ainda
mais escassa. O tempo integral, então, seria para formar mão de obra e não
cidadãos pensantes, com senso crítico, capacidade de reflexão, questionamento,
raciocínio etc.
6. Poderão exercer a docência os trabalhadores em educação, portadores
de diploma de curso técnico ou superior em área pedagógica ou afim e profissionais
com notório saber reconhecido pelos respectivos sistemas de ensino.
Claro que há uma carência de professores
qualificados para diversas áreas e evasão nos cursos de licenciatura, mas ao
invés de resolver este problema na raiz, apenas legitima-se uma prática comum –
e precária – de hoje em dia: professores sem formação adequadas às disciplinas
que lecionam. Qualquer um, não precisa ser especialista, nem nada, saberia como
resolver este problema: estimular a formação de professores/estimular a entrada
nesta carreira. Para isso, o Governo deveria pensar em dar melhores condições
de trabalho aos docentes, em fazer mais investimentos nos cursos de licenciatura
e estabelecer salários mais atrativos para os professores, para que a profissão
também seja mais atrativa.
**
Como podemos ver, a MP é um
desinvestimento e deixa de tocar em questões cruciais para uma real reforma: ações
para formação de professores e valorização da carreira docente; condições
materiais para que as escolas possam oferecer, com qualidade, currículos amplos
e diversificados; indicativo de diretrizes para projetos de escola de tempo integral
ou indicativo de legislação complementar a este respeito; como respeitar a Base
Nacional Comum Curricular que não caberá na carga-horária prevista?; como lidar
com o estudante que, ao ingressar em uma Universidade, tenha vontade de cursar
uma outra área que ele não tem o conhecimento básico? Refaz o Ensino Médio?
São muitas perguntas, muitas questões e
muitos problemas. Peço desculpas pelo tom ameno desta publicação. O texto
merece um tom muito mais duro, sobretudo por causa das outras mudanças que
afetam totalmente nesta: PEC 241, PLP 257, PL 4567 (sério, pesquisem!). Por
enquanto, escrevo mais como informação, mas voltaremos a esses assuntos. Leiam
os artigos e tirem suas conclusões.
Diretrizes e bases da educação nacional:
Medida Provisória nº 746 (que “reforma”
o Ensino Médio):
PEC 241 (que limita os gastos públicos
em saúde e educação por 20 anos):
PLP 257 (pacote de ajuste fiscal que atinge
diretamente os servidores públicos):
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1445370&filename=PLP+257/2016
PL 4567 (que retira a obrigatoriedade da participação da Petrobras na exploração do pré-sal, que renderia recursos para saúde e educação, permitindo a total atuação de empresas privadas):
PL 4567 (que retira a obrigatoriedade da participação da Petrobras na exploração do pré-sal, que renderia recursos para saúde e educação, permitindo a total atuação de empresas privadas):
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